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Entrevista: “Tem que ter quarentena para chefe da AGU ser indicado ao STF”

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Redação O Antagonista
12 minutos de leitura 21.06.2021 07:00 comentários
Brasil

Entrevista: “Tem que ter quarentena para chefe da AGU ser indicado ao STF”

Em entrevista a O Antagonista, Lademir Rocha, presidente da Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais, defendeu que o chefe do órgão só possa ser indicado ao Supremo Tribunal Federal no mínimo um ano após deixar o cargo...

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Entrevista: “Tem que ter quarentena para chefe da AGU ser indicado ao STF”
Divulgação/Anafe

Em entrevista a O Antagonista, Lademir Rocha, presidente da Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais, defendeu que o chefe do órgão só possa ser indicado ao Supremo Tribunal Federal no mínimo um ano após deixar o cargo.

Ele diz que essa posição independe da possível indicação de André Mendonça, o atual advogado-geral da União e favorito de Jair Bolsonaro para a Corte. O período de quarentena, disse, serviria preservar a integridade da instituição, que não deve servir de “trampolim”.

“Há um processo de excessiva contaminação da disputa política quando você traz esse tipo de indicação, como se o advogado-geral fosse etapa para chegar ao Supremo”, afirmou.

Questionado ainda sobre o perfil e o histórico de André Mendonça na AGU, Lademir disse considerar “imprevisível” a maneira como irá ele atuar no Supremo, caso seja nomeado.

“Tecnicamente não vejo reservas. Mas como vai se comportar, se for nomeado, acho que é imprevisível. É comum que pessoas tenham determinado perfil antes e tenham outro depois da nomeação.”

Na entrevista, ele também criticou pontos do projeto que altera a lei de improbidade e da proposta de reforma administrativa, ambas em discussão no Congresso.

Mestre e doutor em direito pela UFRGS, Lademir Rocha é procurador do Banco Central desde 1993 e assumiu no fim do ano passado o comando da Anafe, maior associação representativa dos advogados públicos federais, com 3,8 mil membros.

Leia os principais trechos da entrevista:

O que senhor acha da provável indicação de André Mendonça para o STF?

Teria de ter uma certa blindagem da figura do advogado-geral, de modo a não ser um processo automático de migração da chefia da AGU para o Supremo. Teria que haver uma espécie de quarentena nesse processo, justamente para preservar a condução de uma instituição tão importante, que é a principal da advocacia de Estado do país.

O trabalho da AGU não pode se confundir com o de um ministério, que é correia de transmissão de programas políticos. A advocacia pública tem o papel de construir as bases jurídicas de segurança e legitimidade dessas políticas públicas. Não que ser o advogado-geral não credencia a pessoa para ocupar uma posição na Corte Superior, muito pelo contrário. Mas para defesa da integridade da instituição, entendemos que seria necessário um período de quarentena.

Quanto tempo deveria durar a quarentena?

Não há uma posição oficial da Anafe, mas penso que tinha que ser pelo menos de um ano.

Outros presidentes já nomearam chefes da AGU para o Supremo: FHC escolheu Gilmar Mendes e Lula indicou Dias Toffoli. Eles atuaram em favor de seus respectivos governos no STF e prejudicaram a AGU?

A crítica à indicação do ministro Dias Toffoli e do ministro Gilmar Mendes, que são pessoas respeitáveis, tem muito mais a ver com esse processo de visão da AGU como trampolim para o Supremo do que a nomeação da pessoa A, X ou C. Não temos exatamente uma crítica pessoal aos hoje ministros Gilmar Mendes ou Dias Toffoli, tampouco à possibilidade de André Mendonça ser indicado. Todas as indicações, na verdade, reforçam a ideia de que a AGU seria um trampolim para o Supremo.

Nossa crítica é institucional. Uma instituição não só tem que ser proba e íntegra, ela tem que parecer ser, aos olhos da opinião pública. Há um processo de excessiva contaminação da disputa política quando você traz esse tipo de indicação, como se o advogado-geral fosse etapa para chegar ao Supremo. Fere a integridade da própria instituição. Seu papel é oferecer segurança e legitimidade jurídica na atuação do Estado no plano federal.

É só uma questão de imagem ou André Mendonça vem fazendo algo prejudicial à AGU, em razão de sua ligação com Jair Bolsonaro, até como ministro da Justiça?

A nossa visão desse processo é independente da figura do dr. André Mendonça. É uma questão de proteção da instituição e nós vemos a quarentena como uma necessidade, para preservação do caráter transversal da advocacia pública. Nós representamos a União no plano federal e não apenas o Poder Executivo. Em juízo, nós defendemos autoridades do Judiciário e do Legislativo. Então, a quarentena é exigível de qualquer advogado-geral da União.

E defendemos também que o advogado-geral seja escolhido entre os integrantes das carreiras da advocacia pública federal: advogados da União, procurador federal, procurador da Fazenda Nacional ou procurador do Banco Central. Não tem relação específica com o dr. André Mendonça.

Dentro da AGU, André Mendonça se notabilizou por fechar acordos de leniência bilionários com as empreiteiras flagradas em atos de corrupção. O sr. acha que ele poderá contribuir para resgatar, em certa medida, a defesa da Lava Jato no Supremo?

É difícil antecipar esse tipo de situação. O Supremo age mediante provocação. Teria que o caso chegar ao próprio ministro e um caso específico movido pelo Ministério Público. Não vejo como um ministro do Supremo possa ser o condutor de um processo de investigação, até em função das exigências de imparcialidade. O papel da jurisdição é um tanto inerte.

E é muito comum a pessoa ter um determinado perfil antes de ser ministro e uma vez investido na função, com as garantias da vitaliciedade e inamovibilidade, ele passa a ter um comportamento de juiz. Isso tem a ver com a mudança do papel institucional. Você passa a fazer outra coisa, que é julgar.

Mas acha que, pelo histórico, ele não faria alguma diferença, ao menos, no combate à corrupção?

Não acho que qualquer juiz tenha visão favorável à impunidade. São abordagens diferentes: alguns são mais garantistas e outros tem visão mais próxima dos órgãos acusadores. Eu diria que o dr. André Mendonça tem uma vasta experiência e domina o assunto. Tecnicamente não vejo reservas. Mas como vai se comportar, se for nomeado, acho que é imprevisível. É comum que pessoas tenham determinado perfil antes e tenham outro depois da nomeação.

Mudando um pouco de assunto. Como o sr. vê as mudanças que vem sendo feitas pelo Congresso na Lei de Improbidade Administrativa?

Primeiro, não me parece que seja uma questão para ser discutida em regime de urgência. Nós temos mais de vinte anos da lei de improbidade e temos que atingir um ponto de equilíbrio. Que de um lado mantenha a punição e os mecanismos de responsabilização do agente público improbo. Mas por outro lado elimine o excesso de discricionariedade na aplicação dos princípios. Porque há uma parte que cria um cenário muito incerto.

[Nota do repórter: um dos artigos da atual lei pune quem viola princípios da administração pública, como moralidade, legalidade, impessoalidade e eficiência]

Nós temos que oferecer segurança jurídica para o administrador probo. E ao mesmo tempo retribuição adequada, proporcional e severa para o improbo. Mas precisa ter discussão ampla, madura e transparente, o que me parece incompatível com o regime de urgência, ainda mais num cenário de pandemia, com dificuldade de mobilização da sociedade e das entidades formadoras de opinião pública.

Além disso nós temos uma crítica muito específica à da competência da advocacia pública para apresentar as ações. [O projeto limita ao Ministério Público a iniciativa de propor ações de improbidade]. Há uma espécie de inversão: deveria ser primeiramente pela advocacia pública, porque o ente lesado é a União, o estado ou o município. E quem faz a defesa desses entes? O advogado público. Caberia sim uma atuação subsidiária do Ministério Público, caso houvesse omissão injustificada da advocacia pública. O que não tem sentido algum é retirar a advocacia pública. Não tem justificativa e não encontramos explicação racional.

Mas o advogado público não pode ser capturado politicamente, seja para proteger o atual chefe do Executivo ou atacar o rival político que o antecedeu no cargo?

Há municípios muito pequenos que têm um advogado nomeado da confiança do prefeito. Às vezes, a oposição ganha e passa a usar a máquina para fazer perseguição ao seu adversário. Por isso, sugerimos ao relator restabelecer a competência concorrente com o MP, mas não por advogados públicos nomeados por critérios de confiança, mas sim por advogados de carreira protegidos institucionalmente.

O que acontece com a advocacia pública: ela também é responsável pela defesa do agente público. Quando ele age no interesse público e sofre uma ação, nós fazemos um filtro. Naquelas situações em que a advocacia pública se convence da existência de ato de improbidade, ela move uma ação. Naqueles outros em que o agente público agiu na sua esfera de discricionariedade legítima e se torna alvo de uma ação, mas teve seu ato respaldado pela advocacia pública, nós fazemos a defesa dele.

É muito circunstancial essa atuação da advocacia pública. Temos que fazer a linha divisória entre a atuação do agente público probo e a atuação do agente público improbo.

Se a advocacia pública não acusa o agente público, ela o defende. Isso não aumenta o risco de captura política?

Por isso que a advocacia pública tem que ser ocupada por agentes de carreira protegidos institucionalmente. É um dos pontos que queremos discutir na reforma administrativa. Imagina um monte de advogados públicos nomeados politicamente…

O agente público toma risco e, num cenário de incerteza, se a decisão for tomada de boa-fé, ela tem que ser protegida. Se não, daqui a pouco ninguém mais vai tomar mais decisão arriscada. Para isso, é preciso que essa decisão esteja respaldada por uma estrutura de consultoria e assessoramento jurídico feitos por uma advocacia de Estado, para dizer que aquilo é adequado. Quando a advocacia pública, assim estruturada, diz que aquele ato pode ser praticado, é dever dela fazer a defesa do agente público.

Nós não precisamos de agentes públicos pusilânimes, mas corajosos e probos.

Isso não significa proteger o agente improbo, que tem ganho com aquela decisão, que tem consciência que está praticando ato ilícito, seja por intenção ou culpa grave, de total descuidado. O que vai gerar a responsabilização desse agente, inclusive por iniciativa da advocacia pública.

Como o sr. avalia outras mudanças na lei: o fim da punição quando não há intenção de lesar o erário, mas apenas um erro; o fim da punição para condutas que violem princípios da administração; e a limitação do prazo de investigação a um ano?

O que eu falar aqui não será como presidente da Anafe, que não tem posições definidas sobre esses pontos, porque nós não discutimos. Mas posso dizer minha opinião pessoal como jurista.

É importante estabelecer diferença entre dolo e culpa. Tratar as coisas da mesma maneira fere o princípio da proporcionalidade. Eu não suprimiria a responsabilização culposa, mas trabalharia com a ideia de culpa grave, situação de grave incúria nos deveres de cuidado. Quando se constatar culpa grave, deveria preservar a responsabilização.

Com relação a violação de princípios, é tema bastante polêmico, por conta da abertura do conceito de princípio. E aí geramos insegurança jurídica. O problema é que a textura semântica permite vários tipos de interpretação. E aí pode acontecer uma mudança de interpretação ou desdobramento de compreensão do princípio ocorrido depois dos fatos e você vai aplicar essa compreensão a fatos ocorridos antes. Pode abrir porta excessivamente ampla de insegurança para quem decide. E o efeito é o contrário: na dúvida, eu não decido e não tomo risco, porque posso ser responsabilizado daqui a 5 anos ou 10 anos, por uma mudança de interpretação. Como jurista, acho que deveria ter violação a regras.

Quanto a um ano para a investigação, me parece excessivamente curto. Precisa de um prazo mais dilatado. Me parece que talvez 5 anos seja um prazo razoável.

A advocacia pública federal se opõe à reforma administrativa?

A Anafe não é contra a ideia de reformar a estrutura do Estado, para aperfeiçoar o caráter público, visando maior eficiência nos serviços públicos. Mas estamos numa contrarreforma, regredindo em termos de garantias institucionais, abrindo a possibilidade de uma ampla nomeação de agentes políticos em funções estratégicas de gestão e mesmo técnica do Estado. Há um estudo do Senado mostrando que essa reforma poderá permitir que mais de um milhão de pessoas sejam nomeadas sem balizas, na medida em que você vai transformar os atuais cargos de comissão e funções gratificadas em cargos de direção e assessoramento.

Aqui e acolá nos confrontamos com os maiores escritórios de advocacia ou mesmo com o Ministério Público, cujos membros são protegidos pela vitaliciedade. E do lado de cá vamos ter um advogado público cuja proteção institucional é cada vez mais fragilizada.

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