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A coragem de Antonio Risério sobre o Brasil

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Mario Sabino
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Opinião

A coragem de Antonio Risério sobre o Brasil

Uma das melhores entrevistas que li nos últimos tempos foi a do antropólogo Antonio Risério  ao jornalista Duda Teixeira, da Crusoé. Baiano, ex-integrante de uma organização esquerdista durante o regime militar, ativista da contracultura, colaborador de três campanhas presidenciais do PT, hoje crítico do populismo tanto de esquerda quanto de direita, Antonio Risério (foto no destaque) esteve no centro de uma daquelas intermináveis polémicas da Folha de S. Paulo, porque o jornal publicou uma resenha favorável ao seu novo livro, As Sinhás Pretas da Bahia, que relata o comportamento de mulheres negras alforriadas que, uma vez ricas, comportavam-se como mulheres brancas de classe social alta, inclusive servindo-se de escravos...

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A coragem de Antonio Risério sobre o Brasil
Reprodução/SESC TV

Uma das melhores entrevistas que li nos últimos tempos foi a do antropólogo Antonio Risério ao jornalista Duda Teixeira, da Crusoé. Baiano, ex-integrante de uma organização esquerdista durante o regime militar, ativista da contracultura, colaborador de três campanhas presidenciais do PT, hoje crítico do populismo tanto de esquerda quanto de direita, Antonio Risério (foto no destaque) esteve no centro de uma daquelas intermináveis polémicas da Folha de S. Paulo, porque o jornal publicou uma resenha favorável ao seu novo livro, As Sinhás Pretas da Bahia, que relata o comportamento de mulheres negras alforriadas que, uma vez ricas, comportavam-se como mulheres brancas de classe social alta, inclusive servindo-se de escravos. Assinada por Leandro Narloch, a resenha favorável, como não poderia deixar de ser, causou a fúria de militantes antirracistas e vizinhanças ideológicas.

Antonio Risério tem credenciais suficientes para não ser tachado de racista ou de fascista, esses dois adjetivos que passaram a frequentar com espantosa facilidade as conversas de surdos de nossos concidadãos. Ele não nega os horrores do racismo, a escala industrial que essa ignomínia adquiriu na América e as demonstrações racistas que ainda ferem o nosso cotidiano — ninguém em sã consciência o faria –, mas também não falsifica a miscigenação e os paradoxos nacionais que o identitarismo de esquerda, importado de outras latitudes, tenta cancelar da história brasileira. “esquerda nacional importou o padrão racial americano, quer fazer de conta que a mestiçagem não existe. Isso é uma tolice. A mestiçagem é uma realidade biológica, um dado inelutável da história genética do povo brasileiro. Pouco importa que Camila Pitanga queira ser negra. O fato, do ponto de vista da biologia e da antropologia física, é que ela é uma mestiça, uma bonita mulata dos trópicos. Cruzamento genético é um dado, não é questão de gosto, nem de opinião”, diz o antropólogo baiano.

A biografia e o estofo cultural de Antonio Risério lhe permitem fazer afirmações fortes com tranquilidade, sem medo das patrulhas ideológicas. Na entrevista à Crusoé, ele lamenta que o identitarismo esteja nos transformando em prisioneiros da nossa anatomia, da nossa cor de pele, moldando a história, paralisando a nossa percepção e levando a que as novas gerações nasçam com uma espécie de pecado original, a depender das suas características físicas.

Diz Antonio Risério: “A ideologia hoje dominante congela a história da Humanidade em seus inícios, definindo grandes arquétipos ou caricaturas. (…) A criação desses arquétipos é o que se chama de identitarismo, o qual condena recém-nascidos ao confinamento num passado às vezes pré-histórico. O revolucionário negro Frantz Fanon dizia que não iria desperdiçar sua vida tentando vingar os negros do século XVIII. Claro. Mas é essa a postura identitária. O homem negro, portanto, é prisioneiro de sua anatomia. Com o homem branco é a mesma coisa. Um garotinho branco recém-nascido hoje, num bairro de classe média de Recife, por exemplo, é acusado de crimes cometidos por senhores escravistas do sul do Estados Unidos, ao longo do século XVIII. É uma coisa absolutamente caricatural. E paralisadora. Além disso, o branco é sempre a encarnação do privilégio e da opressão, mesmo que seja motorista de táxi ou pedreiro e que não tenha dinheiro para comprar a cesta básica.”

Na entrevista, o antropólogo baiano também alerta para o fato de que o populismo de Jair Bolsonaro pode reconduzir o Brasil ao populismo de Lula e diz como ambos, cínicos o suficiente para dizer que são as almas mais honestas desse país“, exploram a pobreza da população nordestina: “O fracasso do populismo de esquerda levou ao populismo de direita. Moralismo rastaquera à parte, Bolsonaro foi eleito prometendo redenção econômica, segurança pública e o fim da corrupção. Não fez nada disso. Ele teve e continua tendo uma conduta criminosa na pandemia do coronavírus. Bolsonaro foi o grande aliado da peste. Agora, o fracasso do populismo de direita pode nos reconduzir ao populismo de esquerda. Mas a verdade é que tudo tem muito pouco de ideologia. O Bolsa Família tinha colocado a população nordestina no colo de Lula. Quando veio o auxílio emergencial da Covid, essa população migrou para o colo de Bolsonaro. Então, viu-se que era bobagem tratar as coisas ideologicamente. A maioria do eleitorado nordestino não é de direita, nem de esquerda — é subornável“.

Por fim, Antonio Risério lamenta que o bicentenário da independência do Brasil, em 2022, provavelmente terá uma comemoração negativa. “O que está sendo organizado para essa data é o apogeu da desconstrução nacional pregada pelo identitarismo multicultural, agora com total apoio da elite midiática. É o apogeu da paixão mórbida pela comemoração negativa, como diz o sociólogo canadense Mathieu Bock-Côté. Penso que temos de rever de forma radicalmente crítica nossa experiência nacional, mas em um horizonte aberto e profundo. Não podemos fazer isso na base do maniqueísmo rasteiro, na base da luta do bem contra o mal (…) Pelo que estou vendo, a comemoração dos 200 anos do Brasil independente será o avesso do que aconteceu em nosso primeiro centenário. Em 1922, apesar das diferenças políticas e ideológicas, todos se concentraram na necessidade de uma afirmação moderna do Brasil como nação. Em 2022, o papo vai ser outro. O que se tem em vista não é nenhuma afirmação, mas a negação da nação. A desconstrução nacional sonhada pela esquerda identitária, afirma o antropólogo baiano.

A entrevista de Antonio Risério à Crusoé, que você pode ler na íntegra aqui (aberta para não assinantes), é um abrigo de inteligência, em meio ao bombardeio de estupidez que sofremos nas redes sociais e no noticiário. Se queremos que o Brasil seja uma nação, não uma criação fantasiosa nascida da cachola de importadores de ideias fora do lugar, é fundamental saber o que pessoas como ele têm a dizer.

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Mario Sabino

Mario Sabino é jornalista, escritor e sócio-fundador de O Antagonista. Escreve sobre política e cultura. Foi redator-chefe da revista Veja.

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